Um dos grandes desafios que mais constato diariamente é a dificuldade que a maioria das pessoas tem em “praticar o desapego”.
Não somos preparados, treinados para a perda, para a frustração do fracasso e com essa lacuna ganhamos pouca resistência à resiliência, à capacidade de frustrar, de aceitar aquilo que rejeitamos à partida. Essa falta de visão, de aprendizagem, tira-nos o bom-senso, a competência de ver para além do imediato, de colocar outras lentes que podem levar-nos mais longe.
A mudança para o desconhecido provoca medo e por conseguinte, negação e rejeição. Este comportamento limita a capacidade de lidar com ela, de aceitar e ultrapassar. Então, as pessoas andam às voltas com o que acaba por ser muitas vezes inevitável, seguramente melhor, mas não saem do sítio, da situação que as levou até esse estado. E isso não resolve, não ajuda, não “salva”.
É portanto, um grande desafio para o paciente e para mim terapeuta, devolver a mensagem que me enviam, com outra linguagem, com outra lente, para que comecem a perceber (queiram começar a perceber) a urgência da mudança. Questiono várias vezes: “Como quer obter um resultado diferente, se pratica as mesmas atitudes?” Albert Einstein dizia ser loucura! Assino. Não pode.
Na base destes mecanismos, temos o medo da perda, do falhanço, de acumular fracassos e desilusões. Então percebemos que não somos em geral, “treinados” para enfrentar dificuldades, para levantar depois de uma queda, que a aprendizagem vem do difícil e que nada é estanque, garantido. A vida é muito dinâmica e voltar ao ponto de partida é impossível. Temos que aprender a aceitar e lidar com isso.
O que aí vem pode ser muito melhor e se trabalharmos nesse sentido, com certeza será! A envolvência emocional deturpa esta amplitude visionária, perturba as competências globais do indivíduo e deturpa os factos. A leitura simples e imediata dos acontecimentos torna-se ilegível, aparentemente ilusória para quem a sente, mas real para quem a escuta, a vê de fora.
A insistência para além do razoável, sendo que este razoável é o limite de cada um nas suas vontades, valores, modelos e aptidões (diferentes em cada um de nós), é castrador de um bem-estar maior. A infelicidade contínua desejada por quem a perpetua e mais por quem a sente, é insegurança exacerbada da solidão, da falta de afecto. Mas não tem que ser. Não deve e na grande maioria das vezes não é. As pessoas insistem em relacionamentos completamente desfeitos, onde já não há equilíbrio, alegria, “espreme-se” e nada sai, mas ainda assim pensam que é melhor que nada. Bom, vamos a contas, menos é mais que zero? Não me parece. Quando os negativos não compensam os positivos, é chegado o momento de deixar ir, de virar a página e fechar a porta. Este é o momento do desapego.
Lute enquanto não chegue aqui. Depois pare e experimente o que está para além disso. Quase sempre é bom (não opto por fundamentalismos ao afirmar que é sempre, não o devo fazer) .
Na prática, as pessoas chegam ao consultório descompensadas, tristes, desesperançadas e a pensar que nunca mais vão conseguir ser felizes, que a vida “deixou de fazer sentido sem o outro”, que vão viver sós e infelizes para sempre. Penso quase sempre o mesmo, que dali a uns meses a mudança estará aceite e bem conseguida, que a esperança volta, que o medo baixou até um nível imperceptível. Enfim, que a pessoa gosta de si própria, que encontrou sentido noutras vivências e/ou pessoas e sente que é capaz.
E isso faz toda a diferença. Acreditar. Querer. Acontecer.
E chegam lá. E o sorriso da pessoa volta, como já não se via nem ouvia há muitos anos atrás. E eu sorrio com ela.
Andreia Montenegro