O que faz de mim ser boa psicóloga?
Sempre desejei escrever um livro. Sempre soube que o ia fazer. Ao longo dos anos fui delineando um traçado mental dessa construção. Foi essa forte convicção que me trouxe até ao Psicologias Comigo. Este pensar simboliza que estou a caminhar nesse sentido.
Questiono, muito. Penso, sempre.
Daí resultam dúvidas inevitáveis, são o resultado de 39 anos de aprendizagem e partilha de saberes, experiências de vida gratificantes, angústias, sofrimentos e alegrias. Este artigo meramente opinativo, é também uma reflexão sobre doze anos de prática clínica. E surge de uma necessidade de expor o que penso sobre a vida humana e as suas mil facetas. Esta é apenas a minha visão. Como vejo, sinto e penso agora.
Pretendo explorar o outro lado, aquele que enquanto psis, tudo fazemos para guardar, conter, aprisionar, não mostrar. Como lidar com as nossas próprias emoções, ansiedades, medos.
O que faz de nós bons profissionais?
Muito se fala sobre depressão, ansiedade, fobias, terapias e tratamentos, quais as técnicas e métodos a desenvolver perante determinados desvios ou situações-problema. Mas como é que os psicólogos e psiquiatras se tornam capazes de ajudar as pessoas que os procuram, como lidam com as próprias incertezas e necessidades, como aprendem a ensinar, a relativizar, a ultrapassar?
A primeira resposta que me surge de imediato é o estudo, a formação, a ciência baseada na evidência. Essa é sem dúvida a base e deve ser sustentada e desenvolvida. Mas não só. Na minha opinião vai muito para além disso. Conheço pessoas sabedoras, parecem livros andantes, conversam como se estivessem a fazer citações das leituras que absorveram durante grande parte das suas vidas. Sabem dar respostas estruturadas (e porque não esperadas?) para cada questão. No entanto, fazem-no desprovidos de emoção, de humanização, de sensibilidade. Leram e releram informações, recolheram dados, exploraram hipóteses, mas falam com uma frieza que nos gela a alma.
Não confio o suficiente para expor a minha individualidade a pessoas que não vivem por si mesmas, que não treinam em si o que perpetuam, que não sentem o que comunicam. Adquirem conhecimentos, armazenam informação compartimentada, organizada por capítulos, que estruturam mentalmente em autênticas gavetas cerebrais. Não há fluxo, continuidade entre o que aprendem e praticam na rotina diária. Fazem-me lembrar aquelas imagens bonitas de gabinetes muito limpos e arrumados, que atribuímos valor, mas sem vida. Percebo que esse perfil encaixe em outras pessoas diferentes do que eu sou. É-me completamente impossível manter um gabinete perfeito ao fim de umas horas de trabalho! Tem, no mínimo, imensas folhas espalhadas na secretária, uma garrafa vazia da água que bebi, canetas que deixaram de escrever e uma pen que entretanto já caiu ao chão…
Como confiar a saúde mental a alguém que se desconhece totalmente? Como será que essa pessoa apreende as lições, como ultrapassará o sofrimento da perda, como reagirá perante adversidades… será que sabe tudo? Será que vai entender a MINHA dor?
Estas poderão ser algumas dúvidas de quem procura colaboração e apoio psicológico. E devem existir e questionar.
Volto à questão, o que fará de mim ser ou não boa psicóloga: o saber (conhecimento), a experiência, o sofrimento, a personalidade, a visão ou o somatório disso tudo?
Penso que tudo no seu conjunto fará mais sentido. Os modelos parentais, sociais e as experiências de vida são, sem dúvida, muitíssimo importantes na nossa construção pessoal e estão presentes em todas as decisões que tomamos, nas avaliações e juízos de valor que fazemos, na capacidade de interpretar, avaliar e lidar com os desafios. Mas hoje acrescento algo que pode fazer a diferença nesta conta de somar: ser uma boa pessoa humana!
No último ano da licenciatura dei-me conta de uma situação nova e angustiante… percebi que muitos colegas estavam em psicologia porque queriam resolver os seus próprios conflitos, aliás, não era raro andarem em psicólogos e psiquiatras. Essa descoberta preocupou-me, fez-me questionar se, ao contrário do que tinha sempre pensado até então, estava em psicologia porque me sentia bem comigo mesma, porque era mesmo aquilo que eu queria – ajudar os outros a serem mais felizes! Ou será que tinha que fazer terapia, ter alguma patologia clinicamente significativa, para ser boa psicóloga? Esta angústia permaneceu durante umas semanas, pois aquela descoberta estava a por em causa a minha teoria inicial: se estava emocionalmente equilibrada, confiante e tranquila, maior era a probabilidade de ser útil e obter sucesso!
Por essa altura tive um professor que disse que tirar o curso de psicologia seria relativamente fácil para muitos; ser psicólogo, bom, isso era outra coisa. E acrescentou que só ao fim de dez anos poderíamos ter a percepção do que isso representa… foi das poucas coisas que concordei em absoluto com esse professor. Nunca esqueci. Estava traçado o meu objectivo, o meu caminho.
Ora cá estou eu a dar os primeiros passinhos passados doze anos…
Andreia Montenegro